Sábado de Manhã. São 10:00 horas em ponto e Graça Alves, a Diretora do Museu de Arte Sacra do Funchal, recebe-nos de sorriso aberto, para uma visita guiada que nos dará a conhecer a nova configuração do ex-libris deste espaço: o conjunto de Arte Flamenga.
Entrar neste museu é uma experiência sensorial absorvente que leva a crer que há uma espécie de portal secreto para uma outra época. Esta viagem ao passado é corroborada pelo silêncio apaziguador, pelo cheiro subtil de madeira antiga e ainda pela iluminação magistral que envolve delicadamente cada obra, com um simbolismo profundo.
É um dos mais antigos e importantes espaços museológicos da capital da Madeira. Ao percorrer os vários andares, há a sensação de que as peças dialogam umas com as outras e que comunicam com quem as observa com atenção. No fundo, parece que há uma espécie de vida secreta destas obras monumentais que dão vida ao antigo Paço Episcopal, fundado pelo bispo D. Luís Figueiredo de Lemos, em 1594.
A última revisão museográfica do conjunto de Arte Flamenga tinha ocorrido em meados dos anos 1990. Esta reformulação, que decorreu em outubro de 2024, surge através de um programa de apoio aos da Rede Portuguesa de Museus “Pro-Museus 2023”.
A intervenção foi uma aposta na preservação da rica coleção, que engloba pintura, escultura e ourivesaria flamenga, presente na Madeira devido aos intensos contactos comerciais estabelecidos com a Flandres desde o século XV até meados do século XVI.
Esta relação explica-se com o facto de muitos produtores e donos de engenhos de açúcar, bem como comerciantes locais, nessa época, realizarem encomendas sumptuárias à Flandres. Era a chamada “Economia do Céu”, expressão do historiador Alberto Vieira que explica a necessidade de libertação da alma.
Graça Alves, Diretora do Museu de Arte Sacra do Funchal, realça que sendo a apanha da cana-de-açúcar “um trabalho duríssimo” e ligado à escravatura, a encomenda de obras, “por devoção” era vista como uma forma de estar mais perto de Deus. Assim, temos com este conjunto, a maior representatividade da Arte Flamenga da ilha e provavelmente, de Portugal.
Esta intervenção colocou a experiência do público e a envolvência com as obras no centro. A estrutura de comunicação apostou, por exemplo, na introdução de textos de núcleo na parede, revisão do desenho gráfico e suportes das legendas, informação contextual e curiosidades distribuídas com diversos níveis de leitura. Além disso, os visitantes passam a ter uma contemplação integral dos painéis e trípticos com pinturas em duas faces.
A qualidade dos quadros, com grandes dimensões, algo raro nos museus europeus, é interpelante. Exemplo disso é a pintura Santiago, que representa São Tiago Menor, o padroeiro do Funchal. Esta foi a imagem escolhida para ser venerada pelos fiéis e para sair em procissões.
Outra obra cheia de pormenor é o Tríptico de São Pedro, São Paulo e Santo André, que pertenceu originalmente à capela de São Pedro e São Paulo. No plano inferior, estão apontamentos botânicos, típicos da Arte Flamenga, que podem ser desvendados ao olhar mais apurado.
A Adoração dos Magos é outra obra curiosa. Ao atentarmos com minúcia, está repleta de micronarrativas, onde sobressai a exímia representação da ourivesaria.
Uma visita ao Museu de Arte Sacra é sinónimo de aprender mais sobre a História, mas é também um momento de conexão com a Arte, num espaço que está mais democrático, interativo e moderno, com uma atmosfera deveras intimista.
No último piso, após uma viagem profunda, somos brindados com uma vista soberba sobre o Funchal e com um painel azulejar do século XVIII, que representa alegoricamente a trilogia “Fé, Esperança e Caridade”.