Quando o restaurante Desarma ganhou a estrela Michelin, em 2024, houve uma referência feita pelos inspetores que chamou a atenção do Chefe Octávio Freitas: a maturação e secagem de peixes e os enchidos marítimos. Foi o encorajamento que faltava para investir no desenvolvimento da ideia da charcutaria marítima, que hoje uma marca do restaurante.
Atum, Lírio, Cherne, Truta de água doce, ou Espadarte são fumados, secos, ou curados, ou transformados em diversos tipos de enchidos, desde presuntos, a alheiras, linguiças, morcelas, chouriços ou salsichas. Estes produtos são depois incorporados nos diferentes menus do restaurante.
A ideia surgiu do aproveitamento do peixe. “Começámos a fazer umas experiências”, explica Octávio Freitas enquanto segura um presunto de peixe, numa bancada cheia de enchidos. "Falhámos muitas vezes, até ser possível conseguir soluções que funcionam”. Durante dois anos o Desarma teve um dia da semana em que não abria ao público e servia para a equipa se dedicar a pesquisa e a experiências.
O que começou por ser uma ideia, passou a compromisso. E é uma experiência “pioneira em Portugal”. Hoje é imagem de marca de um restaurante em que o chefe diz querer contar, através da cozinha, “a história da Madeira, pelos ingredientes e sabores”.
O peixe é local. As técnicas são ancestrais. Algumas muito utilizadas na Madeira, como a secagem. Outras, dos enchidos, inspiram-se na tradição longa da charcutaria portuguesa.
Na cozinha do Desarma há mesmo uma seção, com espaço e equipamentos, dedicada à charcutaria do mar. Pedro Pestana ficou responsável pela execução das ideias. É um cozinheiro que começou a trabalhar na construção civil e entrou para o hotel The Views Baía, onde se situa o restaurante, como copeiro e fez um percurso.
As peças do peixe são selecionadas com cuidado. “Têm de ter alguma gordura”, explica Octávio Freitas. Mas todo o peixe acaba por ser utilizado. Por exemplo, as cabeças de cherne servem para fazer uma alheira.
O resultado de tudo isto é um aroma pleno, entre sal e mar e um sabor ainda mais intenso. Estes enchidos são servidos de várias formas, por exemplo fatiados junto com pão de farinhas locais e fermentação natural e manteiga também feita no restaurante.
No Desarma, como na Natureza, nada se perde. Tudo se transforma.
O caminho é “criar um legado com tradição da Madeira”, assume o chefe Michelin. Um atum a saber a espetada, porque foi fumado com louro, é um exemplo do potencial da charcutaria marítima. Há muito de Madeira nesta abordagem, diz Octávio Freitas. “Estou muito orgulhoso da ilha onde nasci”.
Cada dentada é uma explosão de sabor. E isso estende-se aos outros pratos do menu, que não apenas a charcutaria marítima. A cozinha de Octávio Freitas está em plena evolução. É madeirense sem ser tradicional. É cheia de identidade local e ao mesmo tempo inesperada, com uma explosão de sabor a cada dentada.
Há detalhes que marcam, como um peixe cozinhado a 47 grais, um crocante de cabeças de carabineiro. A regra é reduzir o desperdício, e valorizar o compromisso com a sustentabilidade, tão em voga.
Tudo isto é a experiência da estrela Michelin que o Desarma representa. No segundo ano de distinção no guia da capa da vermelha, o restaurante faz por merecer o reconhecimento e proporciona, além dos menus Munidos de Sentidos e A Batalha do Chef, uma experiência única, a Bancada do Chef, que permite interação com a cozinha e a observação, em primeiro plano, do trabalho de criação.
Tudo isto com uma completa garrafeira, onde se destaca a maior coleção de vinhos da Madeira licorosos do Mundo, além de um serviço dedicado e exemplar, num restaurante com vista sobre a cidade.